sexta-feira, novembro 24, 2006

Vagalumes

Composição: Affonsinho

Vagalumes lá no breu do céu
Tanta estrela no riacho e eu
Feito um sapo solitário até
Quase louco atrás de um beijo seu
Tanto apartamento pra alugar
Nosso casamento pra acontecer
Um cha de panela pra esquentar
Nosso amor e nosso bem-querer
Vê se cabe no fundo da panela
Uma ponta do mel do seu cabelo
Um azul de voar pela janela
Uma letra de canção de amor
Sorte e giz de jogar amarelinha
Pó de chuva de molhar devagarinho
Caracol de carregar a nossa cama
Na montanha do nosso caminho
Vagalumes lá no breu do céu . . .
Vê se casa no nosso casamento
Uma lata igual à do poeta
A resposta que voa pelo vento
Duas asas de andar de bicicleta
Zigue ziguezigue, bailado de libélula
Chocolate, uva doce e casadinho
Uma gota do sol na nossa vela
E uma brisa da flor do seu cheirinho
Vagalumes lá no breu do céu . . .

Lábia

Composição: Edu Lobo/Chico Buarque

Mas nem cantor incendiário
Ataca à queima-roupa a canção
Há sempre um tempo, um batimento
Um clima que a introduz
Que nem abelha ronda a flor
Que nem dá voltas ao redor
Da lâmpada, ao redor da lâmpada
O bicho-da-luz

Nem pode à meia-noite
Abrir um sol a pino de supetão
Nas noites em câmera lenta
Espero por meu bem
Lábia, flor do bem-me-quer
Lábia que adoça a boca de mulher
Dom de mulher
Que os homens têm

Palavras de virar cabeça
Meu amado vai usar
Palavras como se elas fossem mãos
Tantos rodeios
Pra enfim me roubar
Coisas que dele já são

Mas nem uma mulher em chamas
Cede o beijo assim de antemão
Há sempre um tempo, um batimento
Um clima que a seduz
E eis que nada mais se diz
Os olhos se reviram para trás
E os lábios fazem jus

quarta-feira, novembro 22, 2006

"O melhor caminho para se sair de uma dificuldade é através dela"

"pessoas solitárias constroem mais paredes que pontes"

dedicado à C. Mantovani

uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados, a montanha estivera coberta por árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvores torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, mais uma vez sobreviveu.
Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob sua sombra e descansam.


Diz-se que assim é um AMIGO. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna nossa solidão uma experiência de comunhão.

Cantiga

de Sá de Miranda (1481-1558)

"Comigo me desavim;
no extremo som do perigo;
não posso aturar comigo
nem posso fugir de mim.

Com a dor da gente fugia
antes que esta assi crescesse
agora já fugiria
de mim se de mim pudesse

Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo
se trago a mim comigo
tamanho ´imigo´de mim?

Fábula de um Arquiteto

de João Cabral de Melo Neto

"A arquitetura como construir portas;
de abrir; ou construir o aberto;
construir, não como ilhar ou prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa

Até que, tantos livres o amendrontado,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vicro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto."

terça-feira, novembro 21, 2006

Você poderia ter dito isso...IV

"Grandes vencedores são, na verdade, pessoas comuns com uma determinação extraordinária"

A que horas passa o trem?

... às vezes sou vilã, outras vítima, na mesma história. Vi viver alguém com tanta apatia, tanta falta de sentido. Esse alguém cumpria sua função de viver sem esperar que isso lhe oferecesse qualquer recompensa.
Ele sufocava a todos junto ao seu túmulo aberto. A todos. A mim inclusive.

Cheguei a lembrar-me de mim como se se tratasse de outra pessoa. Como uma lembrança de um ídolo - aquela pessoa forte, vibrante que existia e partiu - não morreu. Parece ter saído para alguma viagem, para um lugar que desconheço.

Volta e meia, manda pequenos cartões-postais com imagens das paisagens que jamais verei. Perdi o trem. Perdi a bagagem. Perdi a passagem. O que sobrou para mim foi alguém também sem documentos, sem identidade. Sou um ser das sombras, sem brilho, sem luz, sem forças, sem razão de ser. Não brilho e não faço brilhar ninguém.

Fico parada esperando aquele ídolo voltar, ficar presente, me fazer companhia, me ensinar as novidades do mundo afora. Pegar-me pela mão e me levar para tomar sol, sentir verdadeiramente o cheiro, o gosto, os tons do mundo. E ela não vem. E se viesse, poderia enxergar-me?"

Você poderia ter dito isso...III

"O apaixonado não enxerga realmente o outro, enxerga uma bela criação particular e individual"...

Você poderia ter dito isso II...

" É mal para o homem viver no ruído, mas é pior acostumar-se a ele. Quem já não escuta o ruído, tampouco escutará o silêncio", Jorge Luís Borges

sábado, novembro 18, 2006

quinta-feira, novembro 16, 2006

Vaidade

Há quem dite a fórmula exata para a cura
de todas ligações patológicas
mas elas persistem
em todo ser incompleto

e todo ser é incompleto

ancioso por quem o iluda, o engane
Por quem diga como ele é essencial,
imprescindível, imortal.

Ah! como é terrível cair da torre do castelo
acordar no pântano das pessoas comuns

Só o amor o resgata dessa imundície

o faz narciso

Amar espelhos nos olhos alheios