terça-feira, agosto 21, 2007

Além da janela

Acabo de ganhar dois lindos livros de poesia. "Retrato do artista quando coisa" de Manoel de Barros e "Poemas malditos, gozosos e devotos" de Hilda Hilst.

O ganhar livros abre um universo de interpretações fabuloso. Por essa fresta, vê-se minimamente qual o olhar da pessoa que oferta a respeito da pessoa presenteada. Neste caso, meu sensível presenteador parece me ver como uma "fera". Uma força da natureza praticamente indomada.

Todos livros que já me presenteou, fazem menção à intensidades, profundidades, abalos vulcânicos e incandescências surpreendentes.

Sim, passa-me ao largo, qualquer água com açucar ou tepidez; contudo é curioso alguém que tem como grau máximo de intimidade conversas de escritório, fazer essa leitura acerca de mim.

Curioso. Muito curioso...

Passou-me agora, se não poderia ter sido eleita musa inspiradora dessa tal figura...? Essa "potência" toda estaria sim nele e já não em mim...essa mulher é dele...só dele... É ele. Ou não!

sexta-feira, agosto 17, 2007

Sobre quimeras


Sic transit gloria mundi! Poucos não terão até hoje ouvido ou lido em algum lugar essa sentença verdadeira e terrível pela própria veracidade. A expressão tem seu uso mais comum para ressaltar a nossa efêmera existência, mas resulta de um ritual bastante utilizado na coroação de papas: diante do recém-eleito, o mestre de cerimônias coloca um pedaço de estopa ao qual se ateia fogo; enquanto as palavras são pronunciadas, o pano é rapidamente consumido pelas chamas.

Poder e glória, quando assumidos com empáfia ou insolência, quando sinais de soberba e petulância egoísta são, de fato, passageiros. Uma glória assim é pura fantasia ou simples quimera. Essa palavra tem origem no grego – khimaira – que significa mais exatamente cabra – mas que se tornou sinônimo de ilusão ou coisa inexistente.

É curioso como até o nosso calendário, agora chamado de comum ou gregoriano (por conta do Papa Gregório XIII), é afetado pela arrogância daqueles que pretendem garantir fugazmente a imortalidade e se apegam à glória do mundo.

Até o séc. 8 AC, o ano do mundo romano da Antiguidade – do qual herdamos essas medidas – tinha apenas dez meses e se iniciava em 1° de março (martius), depois vinha aprilis, maius, iunius e, a partir daí, foram usados numerais (de 5 a 10) para denominar os meses seguintes ( quinctilis, sextilis, september, october, november e december). No século seguinte, para acertar mais a fixação da contagem com o tempo de duração da volta da Terra em torno do Sol, os romanos introduziram mais dois meses ( januarius e februarius) que ficaram para o final; só que no séc. 1 AC o ditador Júlio César fez nova reordenação, passando janeiro e fevereiro para o início e mantendo doze meses.(Por isso, o mês 9 é sete-mbro, o 10 octo-ber, o 11 nove-mbro, o 12, dez-embro)

Ainda, como Júlio césar, nascido no mês quinctilis, foi assassinado, Marco Antônio, general romano e seguidor daquele, decidiu homenageá-lo, trocando o nome do 5° mês para julius, mantendo 31 dias. Porém, por brigas pela defesa da honra entre Marco Antônio e Otávio, por aquele ter desposado Cleópatra e não Otávia, a guerra foi deflagrada e Marco Antonio, vencido, suicidou-se.

Otavio, ou Otaviano, ganhador, passou a ser chamado Augusto, primeiro imperador de Roma e Grande Pontíficie. Fez trocar o nome sextilis do sexto mês para augustus e para ser maior que julius, determinou 31 dias. Vale dizer que a alternância entre 30/31 foi assim quebrada, exceto por fevereiro, que já na sua instituição ficava apenas com os dias que faltavam para o ciclo completo do Sol.

Quase ninguém sabe dessas histórias. Os meses passam, o tempo com ele e, afinal, como sabiamente escreveu Ari Barroso na canção Risque, “ creia, toda quimera se esfuma, como a brancura da espuma que desmancha na areia...” ”

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(E eu, que aferrada à contagem do tempo fabulo tê-lo para realizar desejos. E o universo se encarrega de mostrar-me que só existe o fio da navalha... esse quase nada chamado agora.)

segunda-feira, agosto 06, 2007

Sobre a dualidade

"...muito, mas muito tempo atrás, deuses e demônios estavam engajados numa luta sem quartel pela supremacia e pela conquista da imortalidade. Nessa guerra, a arma definitiva seria o Amrita, o Licor da Imortalidade, que jazia no fundo do Oceano das Águas Causais.
No entanto, todo o poder dos deuses, inimaginável para nós, mortais, era insuficiente para extrair o Amrita das profundezas. Ainda mais, quando os demônios estavam concentrados na mesma tarefa, e boicotavam o esforço dos deuses.

Brahma, o Deus Criador, conclamou então um encontro para resolver a questão. Acordou-se que deuses e demônios cooperariam entre si, ao invés de lutar. Vishnu assumiria a forma de Kūrma, uma tartaruga gigante. O ciclo do deus Vishnu inclui dez encarnações, das quais a tartaruga é a segunda. Essas encarnações são chamadas Avatāra, que significa "Aquele que Desce [para salvar o mundo]".

Shiva Natarāja dança o Tandava, a dança da dissolução, no fim dos ciclos cósmicos (kalpas).
Sobre as costas de Kūrma, os demais deuses colocariam o monte Mandara, e ele desceria carregando essa montanha até o fundo do Oceano das Águas Causais (Samudrā). O deus-serpente Vasuki, enroscado ao redor da montanha, serviria como corda, puxada alternadamente por deuses e demônios, cada grupo ficando numa das beiras do Oceano. Desta maneira, Kūrma, girando alucinadamente com os braços e as pernas abertos, trabalhou como uma espécie de liquidificador gigante, que espalhou as águas do Oceano em todas as direções, fazendo com que os tesouros submersos nele desde o início dos tempos, viessem à superfície. A tarefa estava dando muito certo, até a aparição do Veneno.


A aparição do veneno kalakata marca o fim da Primeira Era das quatro do presente ciclo cósmico. Essa Era Cósmica chama-se Satya Yuga em sânscrito, que significa Era da Verdade, ou Era do Dharma.

Shiva estava meditando no alto do Himalāyā. Deuses e demônios foram lhe rogar para serem salvos daqueles vapores letais. Ele aquiesceu, e bebeu o veneno, ficando com a garganta colorida de azul. É por isso que ele é chamado Nīkalantha, o da Garganta Azul.

O nome Garganta Azul aponta para o fato de que não existe nenhum conflito entre o coração e a mente de Shiva. Mente e coração estão em sintonia, alinhados e, entre eles, só existe espaço vazio, representado pela cor azul.

Nīkalantha é aquele que vê todo o mundo em si mesmo, e a si próprio em todo o mundo.

O desapego de Shiva perante a vida e a morte é absolutamente aterrador. Ao beber o veneno kalakata, ele salva o Universo. Ao absorver em seu próprio organismo o veneno do mundo, ele redime a Humanidade.

Desta maneira, deuses e demônios puderam retomar a tarefa de desenterrar não apenas o licor da imortalidade, mas igualmente a deusa Lakshmī, que surge das águas numa cena idêntica à do nascimento de Afrodite na mitologia grega, e que acaba casando com Vishnu, bem como alguns valiosos tesouros, dentre os quais destaca-se o kausthubha, uma jóia que o deus carrega até hoje no peito.

Uma vez resgatados esses tesouros, os deuses deram uma rasteira nos demônios para ficarem com o licor da imortalidade. Mas essa é já outra história..."

Não haver dualidade, conflito entre o que deseja a mente e o corpo; não temer, não escamotear, não adulterar a Verdade, eis o que redime o mundo. E o mundo está em mim - eu sou o mundo.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Da impermanência

Tudo passa.

Mil vezes mil vezes se ouviu e ouvirá falar que tudo passa. E tudo passa mesmo.

O tempo, esse etéreo elemento sensível e inexistente, flui magica e intrínsecamente. Não há estanqueidade, passado - como fotografias espalhadas ao redor da copa da memória, futuro - o fruto da semente do agora, esse fio de navalha, o piscar de olhos - e já foi. O que torna quase quixotesco o tentar viver a realidade. O que é real? O passado? o futuro?

Essa plantação de sementes que ando a cultivar, está confundindo minha memória. Já não estou certa do que vivi, do que plantei, do que quis e das rotas que tracei no meu mapa interno.

Onde vou chegar, se as sementes estão sendo plantadas em terras alheias? Há dias, muitos dias, que só quero abandonar essa floresta.... Voltar, já não sei bem para onde. Talvez o mais próximo do lugar que queria estar é num ventre, ou por outra, ter no ventre alguém que me sirva de farol - vê-lo piscar seu brilho franco me sinalizando a direção certa a seguir.