sábado, dezembro 30, 2006

Linhagem Nobre


Adoraria que fosse um autêntico garoto do interior, tal qual Chiquinho, primo de meu pai - uma de minhas paixonites pré-adolescentes, época em que passávamos as férias no sítio em Sete Barras.

Lembro-me de muitas belas imagens suas. Dele entrando no rio, sem reagir à nova temperatura. Mergulhando aqui e para meu desespero, demorando intermináveis segundos para aparecer acolá, numa distância só possível para peixes ou super-homens, pensava eu, aos meus "bem-vividos" 11 anos de idade.

Dele; short bem curto, carregando pendurado num dedo atrás do ombro, um amarrado de passarinhos caçados pela redondeza, com a mesma elegância com que um yuppie paulista porta seu terno num fim de expediente. A espingarda noutra mão, era tratada como um pedaço de ferro qualquer, já que seus 17 anos lhe haviam dado tempo suficiente para não se deslumbrar pelo poder daquela peça. Era DELE esse poder.

Sua pele lustrosa, bronzeada, umidecida, soava muito apetitosa. Me era possível sentir o sal na ponta da língua, que só o tocou em sonhos.

Essa nobreza de linhagem, esse pedigree puro-sangue; sempre me encantou em qualquer indivíduo, não importando o gênero. Nada parecido com os tantos mímicos que conheci. Nunca serão o que são, tampouco o que gostariam ou pensam ser.

Paulo tem a raiz dessa linhagem puro-sangue. Vez ou outra vejo uma ponta de autenticidade, logo recolhida como se fosse uma cicatriz pavorosa. Há ondas demais jogando-o constantemente para a mesmice, e pouca resistência em seus tenros 18 anos.

Portanto sei que não o será em sua plenitude. Balzaquianas como eu, adquirem licença para o exercício da "futurologia", ou mesmo o apropriado instinto de preservação nos habilita enxergar além. Talvez tenha o privilégio de ver esse casulo se abrir, notar a extensão de suas asas, voarmos juntos. E mais ainda, poder pousar sólida e integramente quando esse vôo for demais para mim. E deixá-lo continuar com felicidade e desprendimento.

Mais uma vez me encontro "auto-apaixonada". Certo ou errado, se é que existe isso; meus amores são sempre narcisistas. Hoje estou amando minha capacidade de sublimação revelada pelas dificuldades dele. Estou amando meu cheiro que o agrada, meu olhar que o encanta, meu jeito que o enleva, minha voz que o seduz, minha pele que o excita, meus pequenos poderes em alegra-lo com minha simples presença.

Nenhuma certeza de abalos futuros me demoveria do pleno gozo desses prazeres presentes.
...(continua)

quinta-feira, dezembro 28, 2006


Era um gênio sem dizer palavra. Daqueles que assumem um olhar enrregelante, capaz de abrir uma cratera abissal ao seu redor.

Vez ou outra se divertia jogando laços cá para esse lado do universo. E eu, sem sossego, chuleando a borda quebradiça desse abismo, feito a guarda da rainha, alerta a qualquer desses benditos lançamentos.

Estive tão envolvida no ritmo e constância dessas pontas de esperanças; dessas iscas doces e travosas, que nem tive tempo e discernimento para olhar a outra margem.

Até que começou a escassez.

Passavam-se dias sem um tris de prazer, só gelo e distância.

Ganhei tempo para mirar além e enxergar, que do outro lado, ao sabor do vento, havia tão somente um fio com anzol amarrado a um galho seco.

terça-feira, dezembro 26, 2006


" Dejad que entre vosotros haya espacios y que el viento del cielo pueda bailar entre vosotros. Compartid vuestros pan, pero no comer de la misma tajada. Y estad juntos, mas no demasiado cerca; porque las columnas del tiemplo se levantan separadas; y la encina y el ciprés no crescen el uno a la sombra del otro" , de Kalil Gibran

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Você poderia ter dito isso...V


"... nem a alma do homem é tão estreita que não caibam nela coisas contrárias...", de Machado de Assis em "A casa velha"

"...nutra a divindade que existe em você, prestando atenção no que anima seu corpo e sua mente."

terça-feira, dezembro 12, 2006

Desiderato para todos os anos



Que tenhamos saúde.
Que transborde arte e música em nossas vidas.
Que fiquemos mais sábios; senão, ao menos mais humildes.
Que o sentido da existência fique cada dia mais claro.
Que voltemos à inocência, ou passemos a valorizá-la.

Que saibamos ouvir...o riso, o choro, o fremito, o grito
Que saibamos falar para ser entendidos, não para confundir
Que tenhamos "olhos de ver"

Que nos emocionemos com crianças brincando
Que cedamos mais lugares dos quais nos apropriamos dos animais
que nos sintamos parte do todo
e peça essencial na Roda da Vida
que a fantasia floresça em nossas almas

e cresçam asas em todos nós!

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Torre de Babel

de Menotti del Picchia (?)

Eles ergueram a torre de Babel
bem na Praça Antônio Prado.
O esqueleto de aço cobriu-se de carne de cimento
e as vigas e guindastes
eram braços agarrando estrelas
para industrializá-las em anúncios comerciais.
Italianos joviais,
húngaros de olhos de leopardo,
caboclos de Tietê arrastando o caipira,
bolchevistas da Ucrânia,
polacos de Wrangel,
nipões jaldes como gnomos nanicos talhados em âmbar
entre as pragas dos contramestres,
os rangidos das tábuas do andaime,
o estridor metálico
das vigas de aço e dos martelos sonoros,
no céu libérrimo de S. Paulo,
fizeram a confusão das línguas,
sem perturbar a geometria rigorosa
do ciclópico arranha-céu !
Lá do alto, o paulista,
bandeirante das nuvens,
mirou o prodígio da Cidade alucinada:
uma casa de três andares
pôs-se a crescer bruscamente
como nos romances de Wells;
outra apontou a cabeça arrepelada de caibros
acima do viaduto do Chá;
e começou a desabalada carreira
do páreo do azul.
O formidável arranha-céu
com a cabeça nas nuvens
abrigou no seu ventre de concreto
o drama da nova civilização.
Onde estás meu seráfico Anchieta,
erguendo com o barro de Piratininga,
pelo milagre da tua persuasão,
as paredes rasteiras do Colégio ?

sábado, dezembro 02, 2006

"O que é atraente e belo nem sempre é bom, mas o que é bom é sempre belo."

Queimar os navios


do site http://aaldeia.net

Contam que Pizarro, o conquistador espanhol, pouco depois de desembarcar na América do Sul com os seus homens, mandou queimar os navios que os tinham levado até lá.

Estranha atitude, que poucos se teriam atrevido a tomar, pois havia um oceano a atravessar para regressarem a casa. Mas a verdade é que também não foram muitos aqueles que deixaram o seu nome na História por terem realizado feitos notáveis...

É certo que podemos criticar as conquistas de Pizarro e a forma como as realizou, mas este gesto concreto é, sem dúvida, valioso.

Conhecia a extrema dificuldade da tarefa que perseguiam. Sabia que viriam perigos incontáveis, terrores, mortes, doenças. Temia o desconhecido, que se afigurava pavoroso. Conhecia os seus homens e conhecia-se a si mesmo. Receava que - depois de uma derrota, perante o desânimo provocado por algum obstáculo aparentemente intransponível - pensassem apenas na forma mais rápida de chegar de novo à costa, entrar nos barcos e regressar a casa.

Mas não admitia outra coisa senão cumprir o objetivo. Cortou a retirada. E os navios arderam. O único caminho, a partir de então, era em frente e até ao fim. E conseguiu.

Portas abertas, pontes, laços... regressos...Não há razão que justifique a batalha se a fuga é fácil. Ás vezes não é questão de coragem, é acomodação... é letargia, preguiça mesmo. E assim vai se empurrando o fardo da vida, como se VIVER atrapalhasse seus reais objetivos. E quais seriam? Oh, pergunta encantada!

Mas se há quem não admite outra solução que não o desafio da "vanguarda", esses são os que evoluem. Todas as coisas grandes e duradouras que até hoje se fizeram envolveram um ato semelhante a este do conquistador espanhol. Envolveram a decisão de fechar as portas à possibilidade de bater em retirada. Resultaram de decisões que se mantiveram fortes ao longo do tempo, perante a dor e o sofrimento e as dificuldades mais sérias.

Hoje quase não somos capazes de nos abandonarmos ao amor. Não somos capazes de um amor que seja inquebrável. Dizemos "quero-te para sempre" - e somos sinceros - mas não somos capazes de manter o amor e a palavra que dissemos. Tornámo-nos moles. Somos caricaturas de homens e de mulheres, porque temos pouco de vontade forte, de liberdade verdadeira.

Astúcia

Parece pesadelo aquilo que ontem me dilacerava o peito tal fúria de uma besta-fera.

Domei-a.

Domeia-a para me atirar de cabeça na pontiaguda lança do prazer.

Mergulhei...

Sorvi como se EU fosse evaporar imediatamente. Sumir...

E sumi.

Sumiu a fúria, o desejo, o personagem...

Quem era? Astúcia?

Sei quem não era.

Não era homem, não era gentlemam, não era confiável, não era verdade...

Talvez fosse criança, uma menina insegura, dependente, patética, gulosa, desonrada, desonesta...Pobre menina...



PS.: É bom acordar...

O que parecia pesadelo hoje é sonho... Sofrimento por amor verdadeiro.

O que vi esses últimos meses é pó, espetáculo, número de circo, palhaçada. Serve para rir.