domingo, outubro 14, 2007

Dos livros, gula e paixões

Minha relação com livros talvez se pareça com a relação do guloso com a comida.


Devoro livros pela capa, pelo título, pelo tamanho, pela cor, pelo formato, pelo tipo de letra, pelas figuras, pelo sabor - conteúdo, pelo preço, pela disponibilidade....


Tem quem não consiga passar por uma padaria e não comer um quitute. Eu não passo perto de "papéis escritos" sem tirar um gostinho, nem que seja folhear, sentir o cheiro...


Sim, livros assim como vinhos, acusam sua idade, sua história, por onde passou, quem os manipulou, pelo cheiro. Eu também leio o cheiro dos livros.


Ou pelo menos lia, quando era "rata de sebo" . Pela prática, aprendi reconhecer informações sobre um exemplar apenas pelo estado das lombadas - idade, uso, gênero do antigo dono, seus hábitos durante a leitura, além dos dados escritos obviamente.


Bibliotecas me dão muito prazer, mas algo limitado, já que a ética não permite grifar, fazer anotações, encher a mesa com vários exemplares e experimentar um pouquinho de cada....


Hoje li "Memórias de minhas putas tristes" de Gabriel Garcia Márques. Peça adquirida quase que por "inseminação artificial" - comprei-a pela Internet, assim como para fazer volume num outro pedido, aproveitar o frete grátis acima de tantos reais, enfim, essas realidades...


Estou tentando aprender a garimpar delícias em um ambiente insosso - o único que me resta por essas paragens.


Talvez por esse aspecto não terei muitos entraves. Como dizia meu antigo companheiro: - Nisso, qualquer paixão me diverte!....


Sorte a minha!

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O protagonista é um jornalista que acaba de completar 90 anos e resolve comemorar seu aniversário no cabaré que freqüentou a vida toda, encomendando uma virgem de 14 ou 15 anos, por quem se sente impulsionado à paixão.


do livro de G.G.Márques :



"....a moral é uma questão de tempo.... "


"....desde muito menino tive mais bem formado o sentido do pudor social que o da morte..."


"Nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, as poucas que não eram do ofício convenci pela razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo."


"....e fazíamos amores sem amor, meio vestidos na maior parte das vezes e sempre na escuridão para imaginar-nos melhores...."


"Mesmo quando não preciso escrever, todas as manhãs arrumo a mesa com o rigor ocioso que me fez perder tantos amores. Ao alcance da mão tenho meus livros cúmplices...."


"Acho contra a natureza que um homem se entenda melhor com seu cão do que com sua esposa, que o ensine a comer e a descomer na hora certa, a responder perguntas e compartilhar suas penas.(!)"


"Graças a ela enfrentei pela primeira vez meu ser natural enquanto transcorria meus noventa anos. Descobri que minha obsessão por cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; (....)que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco. (....)"


" Me pergunto como pude sucumbir nesta vertigem perpétua que eu mesmo provocava e temia. Flutuava entre nuvens erráticas e falava sozinho diante do espelho com a vã ilusão de averiguar quem sou.(...)"




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